EM SEGUIDA à crítica feita à "morosidade do Congresso" pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a unanimidade do Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, exercido até a atual metade dos quatro anos.
A denúncia de crimes eleitorais de Cunha Lima e seu vice, porém, já passou dos dois anos, datando da campanha de 2006. Como complemento da cadência do Judiciário, o mesmo TSE praticou uma marcha a ré malabarística e concedeu ao governador o proveitoso direito de continuar exercendo o mandato que não tem.Proveito, a rigor, apenas em parte. Muito do que ainda poderia ser proveitoso o foi, a jato, no estreito tempo entre a sentença de cassação e a data, presumida pelo governador e pela Assembléia Legislativa, para a devolução do cargo.
A qual não houve, e é incerto que um dia ocorra, porque o TSE decidiu-se, com dois votos contra, pela espera da tramitação de um futuro recurso de Cunha Lima e seu vice. O que sugeriu ao ministro Eros Grau, no TSE mesmo, este comentário: "Estou começando a aprender que a Justiça Eleitoral é muito criativa e, às vezes, passa por cima das regras do processo".
A morosidade do Congresso não é só morosidade. É irresponsabilidade, é leviandade, é o jogo de interesses decorrente da política como profissão, um modo de existir de costas para o país. A morosidade do Judiciário tem outras causas, muitas. Às quais dificilmente faltaria, estando nós onde estamos, a companhia de eventuais desprezos à ética (estão aí um ministro de tribunal superior e ao menos dois desembargadores processados por formação de quadrilha, retardamento de processos e venda de sentenças). Mas a morosidade do Judiciário não é menos danosa, nem menos relegada, do que a lerdeza parlamentar.As denúncias judiciais e, se evoluem, os processos contra políticos têm como componente invariável, e mais forte do que os elementos judiciais, o escorrer do tempo.
As recentes eleições municipais produziram numerosos processos contra prefeitos eleitos. A sua posse já é autorizada, no entanto, até que haja a última sentença no último recurso do acusado à última instância. Amazonino Mendes, prefeito eleito de Manaus, teve cassado anteontem, pelo TRE do Amazonas, o futuro mandato. Na prática, sabe que nada deverá mudar por bom tempo, empossa-se e governa à espera de que o processo chegue ao final, não se sabe quando.
Ao ser cassado e meio descassado pelo TSE, Cunha Lima já carregava duas condenações na Justiça Eleitoral da própria Paraíba. E assim exercia o poder maior sobre todo o Estado.Dessa realidade já tão idosa e sempre intocada, sobressai a evidência de que o crime eleitoral, se der a vitória na aritmética da apuração, é garantia de exercício do mandato, por bom tempo e às vezes por todo o tempo, com uso e abuso de todos os poderes dos eleitos legitimamente. Uma realidade corriqueira no Brasil, renovada a cada dois anos com eleições de prefeitos e de governadores.
Fonte Folha S Paulo